Em ano eleitoral, dar cumprimento a decisão judicial provisória, devendo-se aguardar, o esgotamento da análise judicial, ao menos no âmbito eleitoral (decisão definitiva no TSE, ainda que pendente de recurso ao STF).
Esse é o parecer do departamento juridico da UVERGS (União dos Vereadores do Rio Grande do Sul), em virtude da decisão do Tribunal Regional Eleitoral na cassação aos cargos dos veredores Mauricio Loureiro e Pedrão.
Em virtude de recurso apresentado por Mauricio Loureiro, a eleição do novo presidente deverá ocorrer somente após decisão final do STF, de acordo com o parecer da UVERGS.
O PARECER DA UVERGS
EMENTA: DIREITO ELEITORAL. DECISÃO AINDA SEM TRÂNSITO EM JULGADO. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. ESTABILIDADE EM ANO ELEITORAL.
Em face do princípio da segurança jurídica e da estabilidade democrática em ano eleitoral, o atendimento de decisão judicial provisória, sem o trânsito em julgado, deve ser adotada com reservas e apenas quando decorrer de decisão do TSE.
Princípio da confiança para assegurar a estabilização das expectativas de todos aqueles que participam do processo eleitoral.
A Egrégia Câmara Municipal de Santo Angelo/RS, solicitou ao DEJUR/UVERGS, a emissão de parecer jurídico sobre cumprimento de decisão judicial ainda sem trânsito em julgado.
É o breve relatório. Passo a emitir o parecer jurídico.
PARECER JURÍDICO
Inicialmente, impende mencionar que estamos em ano eleitoral, sendo evidente a proximidade do pleito municipal que irá escolher novos representantes do Legislativo, bem como irá escolher novo chefe do Poder Executivo (ou reconduzi-los à reeleição)..
No cenário democrático atual, qualquer decisão judicial, no ambiente eleitoral, pode trazer evidentes consequências no processo eleitoral e na escolha livre dos munícipes (exercício da democracia livre), ainda que referida decisão seja passível de impugnação nos graus recursais superiores, segundo a estrutura jurídica dos tribunais prevista na norma constitucional.
Nesse contexto, o princípio da segurança jurídica deve ser respeitado nas decisões proferidas pela justiça eleitoral como corolário do Estado Democrático de Direito.
[...] Segurança jurídica é o direito da pessoa à estabilidade em suas relações jurídicas. Este direito articula-se com a garantia da tranquilidade jurídica que as pessoas querem ter; com a sua certeza de que as relações jurídicas não podem ser alteradas numa imprevisibilidade que as deixe instáveis e inseguras quanto ao seu futuro, quanto ao seu presente e até mesmo quanto ao seu passado. [...]Segurança jurídica diz, pois, com a solidez do sistema. É desta qualidade havida no ordenamento que emana a sua credibilidade e a sua eficácia jurídica e social. (ROCHA, 2005, p.168-169).
A justiça e a segurança são valores caros e essenciais ao Direito, não sendo possível se conceber uma justiça precária, insegurança e cambaleante, sem mecanismos efetivos capazes de gerar afirmação, proteção e estabilidade.
[...]a justiça só encontra sentido quando se a pode efetivar em caráter estável, ensejando a intangibilidade do justo, a sua proteção, enfim, que a justiça pretendida pelo o direito é a justiça segura, protegida pelo sistema, sendo a segurança, pois, o valor a ser buscado.
Cavalcanti Filho (1964 apud ARCOVERDE, 2013, p. 91) assevera que “um mínimo de justiça é imprescindível a qualquer modalidade de experiência jurídica, o que importa, também na afirmação de que qualquer manifestação de segurança jurídica exige seja baseada num mínimo de justiça.”
Destarte, possível mencionar que a segurança jurídica pode figurar a partir de modos distintos, estreitando os laços existentes entre este valor fundamental e a justiça: a segurança através do Direito, a qual pressupõe que este seja certo, a segurança confundida com certeza do Direito e a segurança contra alterações da decisão judicial.
“A segurança jurídica tem significado especial, porque é a partir desse princípio que a relação que têm os cidadãos com o Estado pode ser regulada. Ou seja, a presunção de legalidade que têm os atos emanados do Estado acaba por ser contraposta à necessidade de que sejam os particulares defendidos, em determinadas circunstâncias, contra a fria e mecânica aplicação da lei.” (Banhos. 2010, p. 191)
Enquanto uma decisão judicial pende de recursos capazes de modifica-la, não estabelece segurança jurídica capaz desconstituir os resultados democráticos advindos da sociedade. E vale lembrar que o Estado de Direito é consolidado através de dois pilares, a legalidade e a segurança, institutos esses que se complementam na busca da idéia de justiça.
Carvalho (2003, p. 360), também entende que o princípio da segurança jurídica aparece de forma implícita nos ordenamentos e sua existência decorre da atuação de outros princípios proclamados na ordem constitucional. De acordo com o referido autor:
A segurança jurídica é, por excelência, um sobreprincípio, Não temos notícia de algum ordenamento a contenha sobre regra explícita. Efetiva-se pela atuação de princípios, tais como o da legalidade, da anterioridade, da igualdade, da irretroatividade, da universalidade da jurisdição e outros mais. (CARVALHO, 2003, p.360)
A base constitucional do princípio da segurança jurídica encontra-se essencialmente lançada na noção de Estado Democrático de Direito, e este, por sua vez, tem como uma de suas diretrizes o estabelecimento de um rol de direitos e garantias fundamentais, baseados no princípio da dignidade da pessoa humana.
A segurança jurídica está estritamente ligada à noção de dignidade da pessoa humana, representando a própria segurança dos direitos fundamentais, conforme esclarece Torres (2005, p.75-76):
A segurança jurídica é um valor e, como segurança dos direitos fundamentais, se transforma ela própria em direito fundamental. A segurança jurídica é um valor porque guarda todas as características deles (generalidade, abstração, polaridade, interação com outros valores); é garantida no artigo 5º da CF por intermédio dos princípios jurídicos [...].
Segundo Paulsen (2006, p. 44-45), a segurança jurídica é elemento fundamental para a efetivação dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, albergada que está nas garantias constitucionais referentes à legalidade geral (artigo 5º da CRFB/88), na legalidade absoluta e irretroatividade das leis penais (artigo 5º, XXXIX da CRFB/88), na proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (artigo 5º, XXXVI da CRFB/88), acesso à jurisdição (artigo 5º, XXXV da CRFB/88), devido processo legal (artigo 5º, LV da CRFB/88), independência do Poder Judiciário, vedação dos tribunais de exceção (artigo 5º, XXXVII da CRFB/88), entre outras previstas no texto constitucional.
Dentre os inúmeros dispositivos que viabilizam a segurança jurídica, merece destaque especial o inciso XXXVI do artigo 5º da CRFB/88, que se traduz emimportante instrumento para a segurança dos direitos individuais, o qual determina que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada" (BRASIL, 1988).
E gize-se que dentre os propósitos mais relevantes do princípio da segurança jurídica, estão os atos normativos e os jurisdicionais. No case em apreço, os atos jurisdicionais ainda não gozam de imutabilidade do julgado, uma vez que ainda possível a interposição de recursos, o que afasta a estabilidade da decisão eleitoral, a ser atendida, provisoriamente, em ano eleitoral, o que poderá gerar consequências ao processo democrático eleitoral do ano de 2024, sendo mais prudente e razoável, aguardar-se o esgotamento das hipóteses eleitorais, ao menos no ambiente eleitoral (TSE).
E vale lembrar que no âmbito do TSE se identifica uma importância destacada da segurança jurídica, inclusive pela finalidade do processo eleitoral de preservar a soberania popular e o Estado Democrático. E aqui, também merece ser destacado que o Tribunal Superior Eleitoral é responsável pelo entendimento uniformizador sobre a legislação eleitoral, só sendo possível o desatendimento de suas decisões, através de concessão de decisão judicial no âmbito do STF agregando efeito suspensivo ao recurso manejado perante a Corte Constitucional.
Destarte, enquanto não houver decisão judicial com trânsito em julgado, considero temerário, em ano eleitoral, dar cumprimento a decisão judicial provisória, devendo-se aguardar, o esgotamento da análise judicial, ao menos no âmbito eleitoral (decisão definitiva no TSE, ainda que pendente de recurso ao STF).
É o parecer.
Porto Alegre, 11 de março de 2024.
ROBINSON FABIANO DA SILVA ZAHN
OAB/RS 38.891
ASSESSOR JURÍDICO